Delírio: a realidade da fantasia
Fábula e polissemia
Como
a fábula é um fato imaginário, a polissemia (tem nome de doença infecciosa,) é
o significado que algumas palavras têm, podendo ser múltiplas interpretações para
a mesma palavra. E aminha vida é povoada de uma e outra, principalmente nos
surtos.
Como
já disse em outro texto, quando em crise profunda, tinha medo dos inimigos
externos e me refugia em minha casa (meu forte) quase por todo o dia, exceto na
hora de comprar cigarros. Moro no primeiro andar do meu prédio, mas mesmo assim
livava algum tempo para sair de casa. Primeiro tinha que arrumar a minha
bolsinha de S.O.S,; chaves, dinheiro, uma imagem de um santo, que não fosse do
gosto de meu pai. Ele me deu São Sebastião, mas eu tinha medo. São Jorge era o
seu favorito, e eu olhava para a lança e o dragão e achava o santo muito
violento. Tinha que ser Maria ou Jesus, pois para que falar com santos se
podemos ir direto à Deus?
Bem,
mas a minha grande aventura era sair à rua sem maiores problemas. Ia até a
sacada do meu quarto e uma letra da Rapunzel vinha a minha cabeça. Tem alguém
me vigiando. Como pode eu me lembrar dessa música sacana da Ivete Sangalo, logo
quando estou na sacada. E que sacada! Olhava para baixo e começava a olhar a
cidade que não parava nunca, exceto nos fins de semana. Que falatório!
Naturalmente comentavam de mim. Então observava o movimento dos ônibus e aí
começava outra indagação, e mais injúrias. Passava o 1001 e eu me sentia um
bombril de mi e uma utilidades , lá
vinha o Paraibuna e de novo me provocava com seu ar de pau de arara, O Brasil
nem pensar, quintal do Eua, mas eis que de repente passava o progresso, então
eu descia.
As
palavras tinham um poder muito grande para mim, fossem escritas faladas ou
subtendidas.. E como eu não comia em casa, lanchava na rua, outro drama era
achar uma lanchonete ou bar que não me soasse com tom capcioso. Lanchonete
“Sabor do Trigo”, o trigo era Boa Sorte; o mesmo que minha madrasta usou para
fazer bolinhos de chuva na minha casa. E ela era uma bruxa que estava sempre me
humilhando naquela fase. Sabor do Trigo era sabor de madrasta; morte na certa,
pensava eu. Este não!
Olhava para o bar Tio Patinhas e
me lembrava do cofrinho do meu pai sempre a tilintar moedas de R$ 1,00 toda vez
que ele voltava da rua. Eu sou de esquerda e me lembrava da música do Geraldo
Vandré, até que me dava um pouco de coragem e então atravessava e entrava no
bar do Gilson que me parecia liberado para comer e para comprar cigarro, Outra
questão vinha agora. Suco de caju ou de mara cu-já! Mara- cuja, eu ficava
espantada e o de caju era o que meu pai mais tomava. Eu queria subverter a
ordem mas estava totalmente limitada..
Ltda.
Pelo menos por enquanto, pois eu tinha planos
de conscientizar aquelas réplicas da Matrix e torna-los livres também,
aproveitava e ficvaa um bom tempo na praça maquinando uma saída para sair
daquele sertão. Se todos estavam satisfeitos eu iria sozinha. Como? Sem dinheiro? A pé, hum mas era tão longe que
já desanimava antes de arrepiar carreira. Além de outra preocupação; todos sabiam
o que eu pensava. Assim não valia! Era uma tremenda covardia. E não é que não
sei de onde saiu o caminhão escrito Eureka!
Pronto; sonho desfeito, eles
desfilavam à minha volta para mostrarem que estavam com a força. “Descobri a pólvora!”,
eu ia repetindo pelo caminho e quase sem pensar estava dentro de casa, mesmo
com o risco dos bombeiros (nome estranho para gente de bem- bombeiro
hidráulico, acho que derivado de bomba- defesa civil soa melhor) passei a
abominar os Bom - beiros.
Eu
queria palavras novas, coisas que me remetessem a uma coisa mais concreta, sem
possibilidades de manipulação. Afinal o meu pensamento não deveria ser de
domínio público. Certo?
Graças
a Deus e à intervenção dos funcionários do CAPS local, que visitavam a minha
casa até mesmo aos domingos e sem deixarem me internar num manicômio consegui
aos poucos ir voltando à sanidade. Melhorei, mas continuo a tomar remédios e
fazer terapia, fatores imprescindíveis para a minha saúde Mental. Aliás o CAPS
de onde moro, para mim é como uma segunda família, onde sei que posso contar
com o apoio de todos, quando preciso e com os meus amigos, usuários também.
Depois
desse episódio voltei a trabalhar formalmente, passei no vestibular para
Pedagogia e já estou no 4º período, pretendo aprender Inglês e me aprimorar em
na minha área. Tenho encontrado muitas montanhas seguidas de vales, mas vou
caminhando e tentando fazer o melhor que posso. Apesar de qualquer dificuldade
que atravesso, agradeço a Deus diariamente por estar lúcida e sabendo o que
está acontecendo comigo e saber por hoje estou bem.
Tânia Maria da Silva
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