Todas
as civilizações que se espalharam pela Terra, fossem elas mais
avançadas ou primitivas, tinham a necessidade de explicar as suas
origens, explicar os ciclos da vida do homem, como o nascimento, o viver
e a morte. Através das religiões, os homens encontravam sentido na
natureza e nos seus fenômenos, associando-as às suas necessidades.
Misticamente podiam explicar as estrelas no céu, as árvores, os bichos,
os alimentos. Quanto mais primitiva a civilização, mais frágil era a sua
sobrevivência, os seus costumes, as suas religiões.
Nas terras novas
descobertas pelos europeus, que formavam o imenso continente americano,
várias foram as civilizações indígenas encontradas por eles.
Civilizações de religiões primitivas, que através da força bruta e da
catequização européia, viram as suas crenças perseguidas, dilaceradas e
transformadas em lendas.
Das antigas civilizações indígenas
brasileiras, várias tradições traduziram-se em belíssimas lendas que nos
ficaram. Três dessas lendas serão contadas aqui:
“
Cobra Norato”,
vinda dos povos catequizados das margens do grande rio Amazonas, já é
uma lenda do caboclo filho do índio. Os jesuítas, na tentativa de
alertar os índios sobre os pecados do cristianismo, incutiam-lhes os
medos medievais, como a cobra que engolia os índios, e o perigo dos
filhos do pecado das mulheres, que se deitavam com homens e com eles não
eram casadas, os seus filhos seriam amaldiçoados e transformados em
cobras.
“
A Criação do Mundo”, uma lenda que é o gênesis dos
índios Carajás, habitantes do centro-oeste do Brasil. Nesta lenda temos a
origem do dia sobre a noite eterna.
“
A Gruta dos Amores”,
velha lenda dos índios Tamoios, habitantes das ilhas da Baía de
Guanabara, índios que durante a colonização européia, chegaram a apoiar
os franceses e a lutar contra os portugueses. É deles a lenda da gruta
dos amores, em Paquetá.
Tão belas quanto as lendas européias, as
lendas indígenas trazem uma epopéia singela dos primeiros habitantes das
terras brasileiras.
A Criação do Mundo
Os
índios Carajás, no princípio do mundo, viviam dentro do furo das
pedras. Não conheciam a Terra. Eram felizes e tinham a eternidade,
vivendo até avançada velhice, só morrendo quando ficavam cansados de
viver.
Um dia, os Carajás decidiram abandonar o furo das pedras, na
esperança de descobrir os mistérios da Terra. Apenas um deles, por ser
muito gordo, não conseguiu passar pelo furo da pedra, ficando nele
entalado.
Na Terra, que trazia uma escuridão sem fim, os índios
percorreram todos os lugares. Descobriram frutos e comidas. Compadecidos
do companheiro que ficara entalado no furo da pedra, levaram-lhe os
mais saborosos frutos e um galho seco. Ao ver aquele galho seco, o índio
entalado observou:
“
O lugar por onde vocês andam não é bom. As
coisas envelhecem e morrem. Veja este galho, envelheceu. Não quero ir
para um lugar onde tudo envelhece. Vou voltar. E vocês deviam fazer o
mesmo!”
E robusto carajá voltou para dentro da pedra. Os outros
continuaram a percorrer a Terra, que se encontrava nas trevas. Um menino
carajá, junto com a amada, percorria a Terra em busca de alimentos.
Como não havia luz, a amada sangrou as mãos nos espinhos, quando colhia
frutos. O menino, na escuridão, comeu mandioca brava. Envenenado pela
raiz, o menino carajá deitou-se de costas, a passar mal. Vários urubus
começaram a andar em volta do seu corpo. Um dos urubus disse:
“Ele não está morto, ainda move o corpo.”
Outro urubu replicou:
“
Não, ele está morto.”
Todos
os urubus opinavam, uns achavam que o menino estava morto, outros
achavam que não. Para que a dúvida fosse esclarecida, foi chamado o
urubu-rei, com o seu bico vermelho e penugem rala na cabeça. Considerado
o mais sábio dos urubus, a ave imponente declarou:
“
Ele está morto.”
E
foi pousar na barriga do menino. Inesperadamente, o menino carajá, que
se fingia de morto, pegou o urubu-rei pelas pernas e o prendeu nas mãos.
A ave esperneou, debateu-se, mas não se libertou das mãos do menino.
“
Quero os mais belos enfeites.” Disse o menino ao urubu-rei.
A
ave, para ser libertada, trouxe as estrelas no céu como enfeites aos
olhos do menino. As estrelas eram belas, mas o mundo continuava escuro.
“
Quero outro enfeite.”
O urubu-rei trouxe a lua. E a Terra continuava escura.
“
Ainda é noite. Quero outro enfeite, este também não serve.”
Então o urubu-rei trouxe o sol. E o mundo ficou cheio de luz.
O
urubu-rei ensinou ao pequeno índio a utilidade de todas as coisas do
mundo. Feliz, o menino soltou a sábia ave. Só então o carajá se lembrou
de perguntar ao urubu-rei o segredo da juventude eterna. No alto do céu,
a ave contou-lhe aquele segredo, mas voava tão alto, que todos ouviram a
resposta, as árvores, os animais, menos o menino. E por não ter ouvido o
urubu-rei, todos os homens envelhecem e morrem.
Cobra Norato
A bela e fogosa cabocla, escondera por nove meses, o resultado do mau passo que dera durante
as
festas de Santo Antônio, ao pular a fogueira ao lado de um caboclo
viril. Nove meses depois, acompanhada pela mãe índia, indo beber água no
rio Amazonas, a cabocla sentiu fortes dores no ventre. Minutos depois,
deu à luz a um casal de gêmeos. Tão logo os gêmeos choraram, a cabocla
viu a prole transformar-se em duas cobras. Era o preço do seu pecado,
gerar dois filhos encantados.
Arrependida do mau passo, a cabocla
entregou os filhos à velha índia, que por sua vez, os foi entregar ao
pajé, para que os matasse. O pajé sabia do encantamento dos filhos da
cabocla. Não os matou, jogou as duas cobras nas águas do Amazonas, para
que o grande rio os criasse.
No rio, Honorato e Maria Canina foram
criados. Nas noites de luar pleno, os irmãos deixavam a pele de cobra e
percorriam as festas dos homens, transformados ele em um belo homem, ela
numa mulher feia e má. Honorato era de boa índole, Maria Caninana
lançava a discórdia e o veneno aos homens. De tão má, um dia foi morta
por pescadores, fazendo da sua pele de cobra belos cintos.
Nos
bailes, Honorato roubava o coração das mulheres, tamanha a sua formosura
e carisma de sedutor. Antes de o sol raiar, voltava para o rio,
transformando-se na tal terrível cobra Norato.
Ao ver o sofrimento de
Honorato, um dia o pajé revelou-lhe o segredo do seu desencantamento:
somente um homem de coragem arrojada poderia fazê-lo, lançando gotas de
leite na boca da cobra, dando-lhe, a seguir, um corte na cauda, para que
o sangue amaldiçoado escorresse e o encantamento fosse desfeito.
Diante de tão horrendo e gigantesco monstro, não havia um homem à beira do Amazonas que ousasse desencantar Honorato.
Uma
noite, o jovem encantando falou da sua desgraça a um valente soldado.
Enternecido pela triste sina do jovem, o soldado prometeu livrar-lhe
para sempre da maldição. Esteve com ele até o sol nascer, quando o viu
transformar-se no mais feio e terrível monstro. O soldado encheu-se de
coragem, abriu a boca da imensa cobra, que, já pronta para devorá-lo,
sentiu as gotas de leite por ele lançadas em sua garganta. Antes que o
animal cuspisse o leite, o soldado, empunhado de um sabre, abriu-lhe um
corte na cauda. Tão logo o sangue molhou as águas do rio Amazonas, da
pele fria da cobra, surgiu o belo e jovial Honorato.
Findava-se a
Cobra Norato, que tanto causara medo e terror aos índios e caboclos que
viviam às margens do grande rio Amazonas. Seguiu Honorato, belo e
encantador, eternamente grato à coragem do soldado que o libertara.
Desencantando para sempre.
A Gruta dos Amores
Itanhantã
era um belo e forte índio tamoio, que provia o seu povo com a caça e a
pesca que trazia para ele. Itanhantã remava, todos os dias, a sua canoa
rumo à ilha de Paquetá. Na ilha caçava os mais perigosos animais, que
tombavam diante das suas flechas certeiras.
Em Paquetá vivia Poranga,
uma bela índia, que no esplendor dos seus quinze anos, encheu-se de
amor pelo viril caçador. Apaixonada, a índia ajudava o amado, indo
buscar-lhe a caça abatida. Olhava-o com ternura, falava-lhe com doçura,
mas o valente caçador não lhe via os sentimentos, não se comovia com o
amor e dedicação da índia.
Todos os dias, depois de caçar
intensamente, Itanhantã repousava o corpo na sombra de uma gruta,
adormecendo, até recuperar as forças. A pobre índia apaixonada, velava
do alto da pedra que formava a gruta, o sono repousante do amado.
Chorava as mais tristes lágrimas do amor não correspondido, que corriam
pela pedra. Enquanto chorava, ou esperava pela vinda do amado, Poranga
entoava o mais belo canto de amor, que ecoava por toda Paquetá.
O
tempo passou, as lágrimas e o canto da bela índia não enterneceram o
coração de Itanhantã, que continuava a caçar e repousar em Paquetá.
Tantas foram as lágrimas de Poranga, que elas abriram a pedra da gruta,
transpassando-a, vindo um dia, a cair sobre o rosto do tamoio. Assustado
com aquela água que lhe molhou os olhos, Itanhantã fugiu da gruta,
vindo a encontrar Poranga no caminho. Diante dos olhos lavados pela água
da gruta, Itanhantã descobriu no rosto da índia a mais perene beleza, e
no seu olhar, o amor eterno. Apaixonado, Itanhantã tomou Poranga nos
seus braços e a beijou. Depois levou a índia na sua canoa, tomando-a
como esposa, sendo felizes para sempre.
As lágrimas de Poranga transformaram-se na fonte da água que existe na
Gruta dos Amores,
em Paquetá. Até os dias de hoje, em Paquetá, quem beber da água da
Gruta dos Amores ao lado da pessoa amada, terá o seu amor para sempre.