A criança da infância ainda vive em mim
Registrar memórias me levam a um mundo natural, mágico e
misteriosamente simples é muito fácil e agradável..Dizem que vivemos do passado
ou do futuro, sendo muito raro estarmos presentes no agora. Como era mágico para aquela menina de cinco
anos, ficar de pé no meio de um jardim de margaridas, num casebre pobre, rodeado de outras casinhas, onde de
longe já dava para ver a chaminé soltando fumaça do fogão a lenha que deixava o
angu com feijão com requintes de restaurante.
As famílias morando no mesmo quintal
e os primos, ora brincando, ora se atracando, porém no final ficava tudo bem,
pois as mães corriam com chinelo e exemplavam a criançada. Para gente só
existia aquele mundinho, todo o resto só
se ouvia falar, porque os adultos de
noite contavam história e suas façanhas pelo mundo de meu Deus. Com a luz da
lamparina na soleira deixando o ambiente propício para um relaxamento total;
logo depois, ainda cedinho; todo mundo dormindo; às vezes dois na mesma cama
porque a prole era grande e os o espaço era pequeno..
Mudávamos muito de casa, parecendo
ciganos, até que fomos morar numa Vila de um bairro mais evoluído, porém muito
pobre para o pessoal do morro onde passei a maior parte de minha infância..
Período de 1970; a Seleção Brasileira de Futebol, é campeã Mundial e nós nem
imaginávamos que nos porões da Ditadura, pessoas eram torturadas e mortas, do
alto da nossa ignorância. Mas, na Escola, que parecia mais um quartel,
cantávamos o Hino Nacional, do estado e do Município, com muita ordem na fila,
sob o olhar da inspetora. Mas como só as crianças, sabem ser felizes e
desfrutarem subversão até os piores
momentos, nós ríamos e saíamos de forma enquanto “megera” estava ocupada com
outra coisa.. Nesse educandário, decorei a tabuada todinha, isso sem falar nos
verbos; senão ganhávamos castigo entre
outras medidas pedagógicas de que trava o Tradicionalismo. Mas nada detinha
nossa diabruras, só lamento por termos crescidos alienados e subordinado ao
sistema, sem direito à cidadania, que nem sabíamos que existia. Mas a nossa
infância eles não conseguiram roubar, éramos indomáveis, sonsos quando preciso
e começamos a nossa real escola nas ruas. È claro que eu tinha família, mas,
minha mãe trabalhava como doméstica para ajudar nas despesas domésticas
juntamente do meu pai que era funcionário público semi-analfabeto.
Para mim, particularmente, houve um
ganho nos anos de chumbo, eu era muito curiosa e gostava de ler; devorava os
gibis, fotonovelas; e quando atingi nove
anos fui sozinha à Biblioteca da Cidade e fiz a minha carteirinha de sócia. Que
orgulho!. Ia à pé de casa até o centro da cidade, só para pegar livros
emprestados. Fiz amizade com a bibliotecária que me indicou Monteiro Lobato; e
vou confessar aqui; ele sempre foi imortal para mim, pois enquanto lia eu
viajava junto com a turma do sítio. Ler é o melhor vício que o sujeito possui,
pois carreguei este hábito para o resto de minha vida. Naquela é época, para
mim, a leitura funcionava também como
fuga de uma vida turbulenta, pois meu era alcoólatra e tinha muitos traumas por
isso.Mas continuei lendo, mesmo me tornando uma adolescente bem rebelde e
difícil, pelo menos era o que meus pais diziam, porém, com 15 anos já
trabalhava fora para ajudar no sustento da casa e estudava à noite.
Quando fui para o segundo grau,
tinha a minha turma de embalo: Inês, Alice e Marlene; éramos um quarteto
inseparável e namoramos muito, nas domingueiras da época em que se dançava de
rosto coladinho; muito bom. Só que no Colégio eu tive que “optar” por um curso
de técnico em contabilidade, à noite, porque o Normal só era ministrado durante o dia, e
eu precisava trabalhar para viver. Fiquei frustrada pois não gosto de cálculos
e burocracia mas, foi o que restou... Porém eu queria ser professora. Passaram
os anos e a busca por trilhar estudando, porque faculdade para pobre era só
particular. Mas fui feliz com o que sobrou, tornei-me vendedora, trabalhando
nessa função por 14 anos e bem resolvida, porque sempre gostei de contato com
outras pessoas. E, quanto aos namorados, colecionei muitos; mas o meu grande e
único amor ficou na adolescência, ele já não está entre nós, mas me lembro de
detalhes até de sua roupa. É um espírito maravilhoso, que admiro até hoje.
Depois, casei; descasei; tendo como saldo; dois filhos que amo muito.
Aos 49 anos fiz um vestibular para
Pedagogia e passei; tudo que eu sonhara, coincidindo com a faculdade de meus
filhos; eles ficaram muito felizes também. Estudava de manhã e trabalhava à
tarde, nesta época, meu pai estava morando comigo, mas foi acometido de um
câncer e eu tive que ficar um semestre só no trabalho, para melhor assisti-lo,
apesar de já haver uma cuidadora com ele. Como ele era aposentado, ele
praticamente mantinha as despesas da casa e as dele.Mas foi se agravando muito
e ele faleceu, foi um quadro terrível para mim pois ele ficou muito fraquinho.
Daí para frente continuei em, agora morando sozinha; continuei a trabalhar e estudar; porém houveram
contratempos em meu trabalho e fui demitida. Achei que seria fácil achar outro
trabalho, mas o que observo é que se a pessoa não tem formação Acadêmica e e um empurrãzinho
de alguém, fica tudo mais difícil trabalhar em cidade de interior.. Hoje me
encontro desempregada e indo mal na
faculdade, que transferi para o turno da noite, mas no decorrer desse período
só, me decepcionei muito com certas pessoas que pregam uma bela imagem em
sociedade, porém nos bastidores são diferentes. Hoje não sei mais o que fazer e
estou acometida de uma depressão, pois fiquei frustrada nas duas coisas que
mais gosto de fazer, Trabalhar e estudar.
Porém, tenho síndrome de Phoenix e costumo ressurgir
da cinzas;(este não é primeiro golpe que levo na vida), agora está doendo muito
e sequer tenho um Norte. Mas mesmo assim vou continuar lutando contra a
burocracia, a brutalidade, gente de lata e sem coração, toda forma de imposição de idéias e acima de tudo pela
liberdade em âmbito geral. Tudo isso porque aquela garotinha que ficava em pé
no meio das margaridas vive, precisa e quer interagir com outras crianças.
Tânia
Maria da Silva
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