sábado, 16 de junho de 2012

A criança que vive em mim


A criança da infância ainda vive em mim


Registrar  memórias me levam a um mundo natural, mágico e misteriosamente simples é muito fácil e agradável..Dizem que vivemos do passado ou do futuro, sendo muito raro estarmos presentes no agora.  Como era mágico para aquela menina de cinco anos, ficar de pé no meio de um jardim de margaridas, num casebre  pobre, rodeado de outras casinhas, onde de longe já dava para ver a chaminé soltando fumaça do fogão a lenha que deixava o angu com feijão com requintes de restaurante.
            As famílias morando no mesmo quintal e os primos, ora brincando, ora se atracando, porém no final ficava tudo bem, pois as mães corriam com chinelo e exemplavam a criançada. Para gente só existia aquele mundinho, todo o resto  só se  ouvia falar, porque os adultos de noite contavam história e suas façanhas pelo mundo de meu Deus. Com a luz da lamparina na soleira deixando o ambiente propício para um relaxamento total; logo depois, ainda cedinho; todo mundo dormindo; às vezes dois na mesma cama porque a prole era grande e os o espaço era pequeno..
            Mudávamos muito de casa, parecendo ciganos, até que fomos morar numa Vila de um bairro mais evoluído, porém muito pobre para o pessoal do morro onde passei a maior parte de minha infância.. Período de 1970; a Seleção Brasileira de Futebol, é campeã Mundial e nós nem imaginávamos que nos porões da Ditadura, pessoas eram torturadas e mortas, do alto da nossa ignorância. Mas, na Escola, que parecia mais um quartel, cantávamos o Hino Nacional, do estado e do Município, com muita ordem na fila, sob o olhar da inspetora. Mas como só as crianças, sabem ser felizes e desfrutarem  subversão até os piores momentos, nós ríamos e saíamos de forma enquanto “megera” estava ocupada com outra coisa.. Nesse educandário, decorei a tabuada todinha, isso sem falar nos verbos; senão ganhávamos  castigo entre outras medidas pedagógicas de que trava o Tradicionalismo. Mas nada detinha nossa diabruras, só lamento por termos crescidos alienados e subordinado ao sistema, sem direito à cidadania, que nem sabíamos que existia. Mas a nossa infância eles não conseguiram roubar, éramos indomáveis, sonsos quando preciso e começamos a nossa real escola nas ruas. È claro que eu tinha família, mas, minha mãe trabalhava como doméstica para ajudar nas despesas domésticas juntamente do meu pai que era funcionário público semi-analfabeto.
            Para mim, particularmente, houve um ganho nos anos de chumbo, eu era muito curiosa e gostava de ler; devorava os gibis, fotonovelas; e quando atingi  nove anos fui sozinha à Biblioteca da Cidade e fiz a minha carteirinha de sócia. Que orgulho!. Ia à pé de casa até o centro da cidade, só para pegar livros emprestados. Fiz amizade com a bibliotecária que me indicou Monteiro Lobato; e vou confessar aqui; ele sempre foi imortal para mim, pois enquanto lia eu viajava junto com a turma do sítio. Ler é o melhor vício que o sujeito possui, pois carreguei este hábito para o resto de minha vida. Naquela é época, para mim, a leitura  funcionava também como fuga de uma vida turbulenta, pois meu era alcoólatra e tinha muitos traumas por isso.Mas continuei lendo,  mesmo me  tornando uma adolescente bem rebelde e difícil, pelo menos era o que meus pais diziam, porém, com 15 anos já trabalhava fora para ajudar no sustento da casa e estudava à noite.
            Quando fui para o segundo grau, tinha a minha turma de embalo: Inês, Alice e Marlene; éramos um quarteto inseparável e namoramos muito, nas domingueiras da época em que se dançava de rosto coladinho; muito bom. Só que no Colégio eu tive que “optar” por um curso de técnico em contabilidade, à noite,  porque o Normal só era ministrado durante o  dia,  e eu precisava trabalhar para viver. Fiquei frustrada pois não gosto de cálculos e burocracia mas, foi o que restou... Porém eu queria ser professora. Passaram os anos e a busca por trilhar estudando, porque faculdade para pobre era só particular. Mas fui feliz com o que sobrou, tornei-me vendedora, trabalhando nessa função por 14 anos e bem resolvida, porque sempre gostei de contato com outras pessoas. E, quanto aos namorados, colecionei muitos; mas o meu grande e único amor ficou na adolescência, ele já não está entre nós, mas me lembro de detalhes até de sua roupa. É um espírito maravilhoso, que admiro até hoje. Depois, casei; descasei; tendo como saldo;  dois filhos que amo muito.
            Aos 49 anos fiz um vestibular para Pedagogia e passei; tudo que eu sonhara, coincidindo com a faculdade de meus filhos; eles ficaram muito felizes também. Estudava de manhã e trabalhava à tarde, nesta época, meu pai estava morando comigo, mas foi acometido de um câncer e eu tive que ficar um semestre só no trabalho, para melhor assisti-lo, apesar de já haver uma cuidadora com ele. Como ele era aposentado, ele praticamente mantinha as despesas da casa e as dele.Mas foi se agravando muito e ele faleceu, foi um quadro terrível para mim pois ele ficou muito fraquinho. Daí para frente continuei em, agora morando sozinha;  continuei a trabalhar e estudar; porém houveram contratempos em meu trabalho e fui demitida. Achei que seria fácil achar outro trabalho, mas o que observo é que se a pessoa  não tem formação Acadêmica e e um empurrãzinho de alguém, fica tudo mais difícil trabalhar em cidade de interior.. Hoje me encontro  desempregada e indo mal na faculdade, que transferi para o turno da noite, mas no decorrer desse período só, me decepcionei muito com certas pessoas que pregam uma bela imagem em sociedade, porém nos bastidores são diferentes. Hoje não sei mais o que fazer e estou acometida de uma depressão, pois fiquei frustrada nas duas coisas que mais gosto de fazer, Trabalhar e estudar.
            Porém,  tenho síndrome de Phoenix e costumo ressurgir da cinzas;(este não é primeiro golpe que levo na vida), agora está doendo muito e sequer tenho um Norte. Mas mesmo assim vou continuar lutando contra a burocracia, a brutalidade, gente de lata e sem coração, toda forma  de imposição de idéias e acima de tudo pela liberdade em âmbito geral. Tudo isso porque aquela garotinha que ficava em pé no meio das margaridas vive, precisa e quer interagir com outras crianças.


Tânia Maria da Silva
           
             

Nenhum comentário:

Postar um comentário